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A PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Atualizado: 30 de ago. de 2023


(*) Denise M.E.Formaggia


O Saneamento Básico tem ganhado espaço cada vez maior na mídia, nas discussões técnicas e população leiga sobre os benefícios e malefícios da “privatização do saneamento básico em nosso país. Diga-se passagem que o foco da discussão encontra-se nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, visto que os serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza pública, bem como a drenagem urbana encontram-se praticamente fora do centro do embate técnico, político e ideológico.


Historicamente o Brasil, fruto em sua essência do processo de colonização exploratória, não obteve de seus governantes em seus primórdios, a devida atenção à formulação de políticas publicas voltadas à melhoria da qualidade de vida das pessoas que residiam na zona urbana e menos ainda da situada em zona rural.


Mesmo com a vinda da família real portuguesa em 1808, pouco foi feito para o aprimoramento da situação sanitárias das principais cidades brasileiras, mesmo no Rio de Janeiro onde se instalou a corte de D. João VI. O mesmo se deu após a independência do Brasil em 1822, sendo que somente após a proclamação da República em 1889 a presença do Estado ocorreu pela contratação de empresas concessionárias estrangeiras, especialmente as inglesas, para atender as demandas de uma elite agrária emergente urbana, que tendo acesso às cidades européias, passaram a exigir o mesmo benefício nas cidades brasileiras onde habitavam ou frequentavam.


As campanhas de erradicação da febre amarela levadas à efeito em Santos e Rio de Janeiro, embora desenvolvidas com o apoio do governo federal, foram desencadeadas muito mais motivadas por questões econômicas ( a febre amarela estava prejudicando as exportações brasileiras), do que especificamente por uma estratégia de desenvolvimento nacional baseada na necessidade de investir em saneamento básico.


Aos poucos o Brasil se urbanizava e justamente no governo autoritário de Getúlio Vargas (1930 a 1945) foram criados arcabouços institucionais para fazer frente aos problemas sanitários, como: o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), Departamento Nacional de Endemias Rurais ((DNERU) e a Fundação Nacional de Serviços de Saúde Pública ((FSESP).


Posteriormente, durante o governo militar (1964 a 1985), foram criados o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) que impulsionaram sensivelmente a estrutura de saneamento básico no país, embora o tenha feito de uma forma autoritária com resultados que levaram à desigualdade sanitária entre as regiões do Brasil que vivenciamos até hoje.


Paradoxalmente após a redemocratização do país, em 1992 o governo Collor extingue o PLANASA e nada deixa no lugar em termos de política nacional de saneamento. Somente em 2007 teríamos a promulgação da lei 11.445 que implantou uma nova política de Saneamento, após 15 anos de lacuna.


Mais recentemente o governo federal após grandes discussões no Congresso Nacional, sancionou a lei 14.026 em 2020, abrindo espaço para a iniciativa privada e definindo metas para a universalização do abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como metas para a destinação adequada dos resíduos sólidos. Mais uma vez a drenagem urbana ficou de fora do arcabouço legal.


Desde então, a possibilidade de concessões dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário tem sido alvo de intensas polêmicas, gerando novos disciplinamentos legais por parte do governo federal, gerando mais confusão no meio do campo, com riscos de judicialização e embate com o congresso nacional.


Com a radicalização política iniciada com as eleições de 2018 e que ainda permeia parte de nossa sociedade, as discussões sobre as vantagens e desvantagens da privatização (o termo correto é Concessão), são muitas vezes pautadas por cores ideológicas e não técnicas. Via de regra a “direita” é favorável à Concessão dos serviços de saneamento, enquanto a “esquerda” é contra a Concessão.


Devemos lembrar que entre o branco e o preto existem diversos tons de cinza. O mesmo ocorre com a discussão sobre a Concessão dos serviços de água e esgotos. Para avaliar as vantagens e desvantagens de uma possível concessão de serviços que até então eram gerenciados pelo poder público – seja estadual ou municipal – deve-se levar em conta muitos fatores de ordem técnica, econômico-financeira e social, este último item entendido como impacto na Saúde Pública e atendimentos aos mais vulneráveis.


As discussões de ordem técnica, o discurso dos governantes e da mídia em geral, pouco tem contribuído para que a população realmente seja informada do que representa um processo de Concessão de serviços de saneamento, na medida em que a linguagem (modelos de concessão e outros termos técnicos inacessíveis ao público leigo como: concessão onerosa, regulação, parcerias público-privadas, “benchmarking internacional”, entre outros) dificultam o cidadão comum a formatar uma opinião minimamente consistente e o resultado é se tornar “presa” fácil dos ideólogos de plantão.


Em algum momento, os representantes do povo – assembléias legislativas e câmaras de vereadores terão que se posicionar à respeito da concessão dos serviços de saneamento de seus municípios e não devemos esquecer que estarão eles sujeitos às mesmas dificuldades do cidadão comum em entender o que está em jogo, situação agravada pela pressão dos partidos políticos que representam.


Uma das formas de ampliar a discussão, fazendo-a chegar mais próximo da sociedade e que deveriam ser levadas em consideração, é levar este tema aos fóruns já instituídos de participação social existentes nos diversos níveis de governo, no caso, estadual e municipal.


Os Conselhos de Desenvolvimento Urbano, de Meio Ambiente , de Saúde e de Saneamento, se existir (estamos muito atrasados neste quesito), deveriam opinar à respeito, visto estar ali presentes parcela importante da população representada e que vivencia os problemas do dia-a-dia em sua comunidade.


Porque não inserir os Conselhos neste celeuma? Só teríamos a ganhar com esta inserção de uma parcela da sociedade que poderia no ambiente dos Conselhos, dirimir suas dúvidas, servir de ponte para a comunidade que representa e dar sugestões aos gestores municipais para aprimorar seu desempenho na busca da melhor solução para o aprimoramento do saneamento no município.


(*) Denise M.E.Formaggia é engenheira civil/sanitarista pela Universidade Mackenzie e Faculdade de Saúde Pública da USP. Traballhou na área de Saneamento do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde e Regional de Saúde do Litoral Norte. Prestou assessoria ao Ministério da Saúde e OPAS na área de qualidade de Água para consumo Humano. É membro emérito do Comitê de Bacias do Litoral Norte de SP.





ANÁLISE DO MODELO DE PRIVATIZAÇÃO PROPOSTO PARA A SABESP



O governador Tarciso de Freitas participando recentemente de um podcast tentou explicar quais são as razões pelas quais ele deseja privatizar a Sabesp.


Inicialmente ele comentou sobre uma aparente crise fiscal que estaria ocorrendo no estado de São Paulo. Segundo ele apesar de que a economia paulista tenha retomado com um crescimento de 2,3% do PIB a arrecadação tributária está caindo. Além disso, embora ele não tenha declarado parece que sua expectativa é de que a reforma tributária piore muito este cenário pessimista. Caso isto ocorra ele terá grandes dificuldades em cumprir com suas promessas de campanha eleitoral. Diante desse quadro é urgente gerar recursos financeiros através da venda dos ativos de propriedade do estado, ou seja, privatizar a SABESP e o Metro.


Para justificar a privatização da SABESP ele apresenta dois grandes benefícios. O primeiro seria a antecipação da meta de universalização para 2029 mediante o aumento de 10 bilhões de reais no orçamento de investimento previsto atualmente de cerca de 56 bilhões de reais. O novo orçamento incluirá mais 1 milhão de pessoas que estão em área rural, área irregular consolidada, comunidades tradicionais que hoje não estão dentro da área de atendimento da Sabesp. Dentro desse orçamento também está a despoluição do Tietê. O segundo benefício será que a antecipação da universalização incluindo a população rural e a vulneravel será acompanhada por uma redução tarifaria


Segundo Natalia Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SMIL) o modelo de privatização que possibilite alcançar os objetivos pretendidos descarta a possibilidade do governo sair totalmente da Sabesp e ficar responsável apenas pela parte regulatória. Para seguir acompanhando a empresa de perto, a opção escolhida para dar sequência à privatização foi o modelo de follow-on, em que há uma oferta adicional de ações e, consequentemente, a diluição da participação acionária do estado e com isso a perda do controle acionário da empresa. Ainda segundo a secretaria o modelo de follow-on busca por investidores compromissados com resultado, como forma de expandir a empresa. Neste modelo também, há a possibilidade de trazer mais investimentos e usar uma parte desse recurso para reduzir a tarifa.


Para melhor conhecer a lógica do modelo escolhido teríamos que ter acesso a informação de como serão captados os 10 bilhões de reais que permitem antecipar a meta. Podemos imaginar que estes recursos viriam dos novos acionistas privados. Entretanto deve-se ter em conta que além de aportar recursos para a antecipação da meta os investidores teriam que adquirir um lote mínimo das ações da empresa. Considerando por exemplo que este lote fosse de 20% seria necessário desembolsar cerca de 8,2 bilhões para realizar esta aquisição dado que o valor de mercado da SABESP é 40,8 bilhões de reais. Este valor acrescido aos 10 bilhões necessários para antecipar as metas parece tornar ser excessivo a mobilização de recursos financeiros a ser feita pela iniciativa privada.


Existe, portanto, o risco da necessidade de um aumento tarifário. Contudo o governo declarou que pretende utilizar parte das receitas de privatização recebidas para financiar uma tarifa de partida mais baixa mitigando o risco de um aumento tarifário impopular. Os estudos de modelagem estão trabalhando para estabelecer qual seria o valor da redução tarifaria a ser aplicada. O montante total da redução tarifaria a ser financiado pelo governo não deve exaurir as das receitas de privatização dado que o governo pretende utilizar a parte remanescente destas receitas para realizar investimentos que cumpram algumas promessas de campanha.


Como se pode constatar a modelagem que está sendo desenvolvido combinando redução tarifaria com antecipação da meta de universalização com inclusão de populações marginadas parece robusta para enfrentar uma possível rejeição popular. Entretanto em momento algum parece que haja uma razão solida para atendimento das demandas sociais que justifique uma tomada de decisão desta envergadura. O Governo nas suas declarações não se aponta nenhuma falha de funcionamento e nenhuma incapacidade financeira por parte da SABESP em cumprir a meta universalização dentro dos prazos estabelecidos pelo novo marco legal de saneamento. Por outra parte a população demonstra um elevado nível de confiança nos serviços prestados pela empresa.


Os esclarecimentos prestados pelo governador e pela secretaria do SIML parecem indicar que a visão de governo é a de que somente através das privatizações das empresas de propriedade do estado é que será possível gerar recursos para poder executar um programa de governo que cumpra com as promessas eleitorais. Ainda que a narrativa governamental não tenha explicitado esta parece ser a lógica que o leva a renunciar ao controle acionário da Sabesp pondo em risco seu comando efetivo da execução de uma política pública importantíssima como a de saneamento. O temor do que pode acontecer com a passagem deste bastão para o setor privado se acentua pelo recente apagão do setor elétrico.

(

*) Hugo Sergio de Oliveira

Economista especializado em estudos de viabilidade econômico-financeiro e em temas regulatórios do setor de saneamento. É formado em Economia pela Universidade Federal do Pará e pós-graduado pela FGV do Rio de Janeiro. Frequentou cursos de regulação ministrados pela John Kennedy School da Universidade de Harvard e pela PURC da Universidade da Florida. Exerceu o cargo de diretor presidente e diretor de regulação econômica financeira da ARSESP e diretor da ABAR. Foi economista sênior no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e exerceu a superintendência de planejamento econômico da SABESP no período de 1977 a 1992. Desde abril 2013 .Hugo de Oliveira trabalha como diretor da PROJEC firma consultora especializada em temas tarifários e regulatórios do setor de saneamento.












O MODELO DE PRIVATIZAÇÃO DA SABESP AVANÇA


Hugo Sergio de Oliveira (*)

O governador Tarciso de Freitas recebeu no último dia 17/08 no Palácio Bandeirantes o prefeito de São Paulo o sr. Ricardo Nunes para formalizar a assinatura do convênio em que a prefeitura de São Paulo adere a Unidade Regional de Saneamento Básico (URAE) Sudeste uma das quatro regiões que foram criadas pelo estado para fins de cumprimento a legislação do novo marco regulatório de saneamento. Este acordo, embora tenha sido feito no contexto de um apoio político de Tarcísio à reeleição de Nunes, foi muito bem recebido pelo mercado. A razão disto é que o município de São Paulo representa quase 70% do faturamento da Sabesp e a adesão do município ao processo de regionalização representa um aumento da probabilidade de que a privatização da SABESP seja realizada. Por outro lado, o acordo também representa um avanço do processo de regionalização que vinha se desenvolvendo de forma lenta. A principal razão para esta lentidão reside no fato que a regionalização estabelecida pelo governo do estado de São Paulo teve como proposito principal defender o território operado pela SABESP resultando em unidades regionais totalmente desproporcionais cuja aglomeração carece de nexo. Desta forma a adesão se concentrou apenas na URAE Sudeste, daqueles municípios que tem contratos com a Sabesp e que passaram pelo processo de comprovação da capacidade econômico-financeira, exigência também do novo Marco Legal. Dos demais 275 municípios, somente nove aceitaram aderir a respectiva URAE (três à URAE Centro, três à URAE Leste e três à URAE Norte).

Para modificar este cenário o governo do estado de São Paulo em16/8 mediante um novo decreto alterou o regulamento para a governança das URAEs, definido num decreto anterior de 2021. Segundo este novo decreto o peso dos votos será proporcional à população: 6% do peso será atribuído a membros da sociedade civil, para a população da região metropolitana, 50% dos 94% restantes serão alocados ao estado e 50% aos municípios. Para a população fora das regiões metropolitanas, 100% dos 94% restantes são destinados aos municípios e nenhum poder de voto vai para o estado de São Paulo. O novo decreto dá 180 dias para os municípios que ainda não aderiram à URAEs o fazerem.

A publicação do decreto visa estimular o interesse dos municípios na regionalização dando maior importância aos mesmos na gestão das URAEs. Neste sentido a adesão do município de São Paulo às URAEs facilitará os termos de negociação entre estado e os 266 municípios que ainda não aderiram ao processo de regionalização. Com a notícia da assinatura do convenio entre Estado e município de São Paulo, as ações de Sabesp chegaram a tocar mais de 7% de valorização. Em que pese este otimismo pode ser que a estratégia de dar protagonismo aos municípios ainda não seja suficiente para conseguir uma adesão total com a manutenção das regiões da forma como foram definidas. De fato, alguns prefeitos dos municípios da URAE Oeste consideram essa região está excessivamente grande, preferindo que ela seja desmembrada em sub-regiões menores. Assim possivelmente ainda será necessário ao governo do estado rever sua proposta de regionalização

(*) Hugo Sergio de Oliveira

Economista especializado em estudos de viabilidade econômico-financeiro e em temas regulatórios do setor de saneamento. É formado em Economia pela Universidade Federal do Pará e pós-graduado pela FGV do Rio de Janeiro. Frequentou cursos de regulação ministrados pela John Kennedy School da Universidade de Harvard e pela PURC da Universidade da Florida. Exerceu o cargo de diretor presidente e diretor de regulação econômica financeira da ARSESP e diretor da ABAR. Foi economista sênior no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e exerceu a superintendência de planejamento econômico da SABESP no período de 1977 a 1992. Desde abril 2013 Hugo de Oliveira trabalha como diretor da PROJEC firma consultora especializada em temas tarifários e regulatórios do setor de saneamento.


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